Quando o IPO sai de cena, o M&A ganha protagonismo
- Giovanni Rozan
- 13 de set.
- 3 min de leitura

Nos últimos anos, o Brasil tem vivido um ambiente macroeconômico marcado por instabilidade política, inflação persistente e, sobretudo, taxas de juros elevadas. Esse cenário colocou um freio em um dos motores mais importantes de liquidez para empresas de capital aberto: as ofertas públicas iniciais (IPOs). A janela de IPOs, que em ciclos anteriores se mostrava uma alternativa natural para companhias em busca de capital de crescimento ou de saída para seus investidores, praticamente se fechou.
Esse fenômeno não é exclusivo do Brasil: em diversos mercados emergentes e até em praças mais maduras, o custo de capital elevado tem reduzido o apetite de investidores institucionais por novas emissões. Porém, no Brasil, onde o custo de dívida historicamente já é mais caro, os juros altos prolongados tornaram a equação de valuation ainda mais desafiadora: múltiplos caíram, as projeções de crescimento foram reprecificadas e, em consequência, a atratividade de abrir capital diminuiu.
Exemplos internacionais similares
Índia: apesar do ambiente global de juros altos, o mercado indiano de IPOs e de equity capital markets (ECM) mostrou sinais de vida e crescimento recente, com forte demanda para emissões locais, enquanto outras praças asiáticas enfrentavam estagnação.
Europa: Relatórios internacionais (como o da EY) apontam que nos primeiros semestres de 2024 o volume de IPOs nesses mercados caiu, e que a incerteza macroeconômica, inflação, volatilidade, e taxas de juros altas foram apontadas como causas principais
Dados de M&A no Brasil: 2024 vs anos pré-pandemia
Aqui vão alguns números que ajudam a dimensionar:
Em 2024, o Brasil registrou 1.476 transações de M&A anunciadas e fechadas, com R$ 367,6 bilhões mobilizados por essas operações, segundo relatório do blog Fusões e Aquisições. Enquanto em relação aos IPOs, não houve nenhuma nova empresa fazendo IPO na B3.
No pré-pandemia, especificamente em 2019, registramos 1.037 transações de M&A anunciadas e fechadas, com R$ 365 bilhões mobilizados, segundo o mesmo blog. Já o número de IPOs foi de 42 transações entre aberturas de capital e follow-ons, movimentando R$ 90,1 bilhões, segundo a B3 e a ANBIMA.
Importância de um valuation bem estruturado em tempos difíceis
Num cenário como o atual, com juros altos, inflação, risco regulatório elevado, expectativas voláteis, ter um valuation bem estruturado deixa de ser apenas um exercício acadêmico ou contábil — torna-se peça chave de negociação. Alguns pontos críticos:
Transparência e credibilidade: se o valuation é claro nos pressupostos (taxa de desconto, cenários de crescimento, sensibilidade a variáveis macro como câmbio, juros e inflação), se reduz a assimetria de informação e aumenta a confiança entre comprador/vendedor/investidores.
Definição de cenários: não basta um cenário “base”; em ambientes incertos, é essencial apresentar cenários realistas alternativos (cenário pessimista, otimista) para mostrar robustez ou fragilidade dos resultados. Isso ajuda a negociar earn-outs, cláusulas de ajuste ou performance.
Uso de métricas ajustadas: em vez de usar apenas múltiplos de mercado que podem estar distorcidos, incorporar fluxos de caixa descontados, ajustar pelo risco macroeconômico local, diferenciais de custo financeiro, etc.
Estrutura de negociação adaptativa: valuation claramente construído permite melhores negociações de mecanismos como earn-outs, cláusulas de revisão, pagamentos escalonados, participação minoritária, etc. Ajuda o vendedor a defender certas expectativas, e o comprador a ter instrumentos de proteção.
Preparação para due diligence aprofundada: em tempos difíceis, compradores vão pedir mais provas, documentação, projeções conservadoras, histórico de execução. Um valuation fraco ou mal fundamentado pode ser usado como ponto de pressão para reduzir preço ou alterar termos.
Reflexão final
A escassez de IPOs no Brasil, alimentada por altas taxas de juros, inflação persistente, risco fiscal e volatilidade, está forçando uma reconfiguração do ecossistema de financiamento corporativo. O M&A, que já era uma alternativa natural, assume papel central. Mas não como “salvador automático”: requer preparo, parceiros estratégicos, disciplina de valuation e flexibilidade nas negociações.
Empresários que reconhecem isso mais rápido tendem a ganhar vantagem: seja ajustando suas expectativas de valuation, buscando sócios minoritários estratégicos, avaliando alternativas de financiamento fora da bolsa, ou investindo em governança para tornar sua empresa mais atraente para M&A ou para quando o IPO voltar.
Em outras palavras: o juiz, o cenário macroeconômico, pode estar favorecendo o M&A sobre o IPO por ora, mas quem estiver bem preparado, com bons conselhos, estrutura financeira sólida e valuation realista, pode transformar esse momento de adversidade em oportunidade de crescimento ou de saída vantajosa.




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